Confirmou-se o que havia anunciado, mais como expectativa. Em 2015, Mad Max – Estrada da Fúria teve sua estreia mundial em Cannes. No ano seguinte, George Miller presidiu o júri do festival. Imaginava que Furiosa – Uma Saga Mad Max, contando a história da personagem de Charlize Theron antes de Road Fury, renderia uma gala comme il faut na Croisette. Não deu outra. Recebi o e-mail do festival confirmando que Furiosa será apresentado fora de competição no dia 15 – o festival abre no 14 -, em presença do diretor e do elenco principal, Anya Taylor-Joy, Chris Hemsworth e Tom Burke. No Brasil, a estreia prevista será em 23 de maio. Bora!
Nesta segunda, 25, o Telecine Cult anuncia no seu programa duplo de westerns dois longas a,mbientados durante a Revolução Mexicana – Quando Explode a Vingança, de Sergio Leone, que vive passando no horário, e Os Abutres Têm Fome. Quero dizer que esse me interessa de forma muito especial. Espero revbê-lo, como fiz na semana passada com Justiceiro Implacável/Rooster Cogburn, e foi uma ótima sessão. Os Abutres/Two Mules for Sister Sara foi o segundo dos cinco longas que Don Siegel fez com Clint Eastwood num período bastante curto, quatro deles em sequência, entre 1968 e 72, e o último em 1979. Recapitulando – após uma carreira insignificante em Hollywood, Clint virou astro na TV, na série Rawhide. Contratado por Sergio Leone, foi à Itália estrelar a trilogia do homem sem nome – Por Um Punhado de Dólares, Por Uns Dólares Mais e Três Homens em Conflito -, que deu sua carta de nobreza ao spaghetti western. De volta aos EUA, e após fazer A Marca da Forca, com Ted Post, Clint iniciou a bem sucedida parceria com Siegel.
Quando o entrevistei, falamos sobre seus dois mestres – Leone e Siegel. Leone virou uma unanimidade, não direi que exagerada, mas talvez um pouco. Siegel, que talvez seja menos (re)conhecido, integra o meu Olimpo graças a três filmes de gêneros – a ficção científica Vampiros de Almas, Estrela de Fogo, sim, o western com Elvis Presley, e o admirável thriller Os Impiedosos/Madigan, de 1967, em que contrapunha a urgência das ruas, nos personagens de Richard Widmark e…, à visão mais distanciada do burocrata Henry Fonda. Depois de anos na produção B, Siegel finalmente ascendera – graças a Os Assassinos, a versão de 1964 – à produção com A. O western contemporâneo Coogan’s Bluff/Meu Nome É Coogan, em que Clint caçava criminoso fugitivo naquela moto, em Nova York, iniciou a parceria que prosseguiu com Os Abutres Têm Fome, O Estranho Que Nós Amamos/The Beguiled e o primeiro Dirty Harry, Perseguidor Implacável. Após alguns anos fizeram Fuga de Alcatraz, em que Clint, como um artista, esculpe sua fuga da cadeia de segurança máxima.
Não importa o gênero, os filmes de Siegel com Clint, e não apenas os com ele, são verdadeiras aulas de utilização da montagem clássica, que aprendeu na Warner. Amo seus westerns – Elvis, como um mestiço índio, tentando evitar a guerra entre brancos e peles-vermelhas e marchando com dignidade para a morte, Clint, Shirley MacLaine e as duas mulas para a irmã Sara, e The Shootist/O Último Pistoleiro, em que John Wayne, devorado pelo câncer – na vida como no filme -, também marcha inexoravelmente para a própria morte. O Último Pistoleiro é um filme que não me canso de citar no blog. Assinalou o reencontro de Wayne e James Stewart, 14 anos após o crepuscular O Homem Que Matou o Facínora, de John Ford. O futuro diretor Ron Howard fazia o garoto.
Sempre imaginei aquele set. Não apenas Siegel, mas Wayne e Stewart contando histórias do velho Ford. Foi ali que Howard fez sua formação. Em seus melhores filmes, os autorais – Rush/No Limite da Emoção e No Coração do Mar, ambos com Chris Hemsworth -, ele reproduziu o conceito básico da obra-prima fordiana. Wayne, a grandeza dos derrotados, matando o facínora e permitindo que Stewart desfrute a glória pelo que não fez. Tenho até medo de rever The Shootist, tal é a estatura do filme no meu imaginário. Two Mules/Os Abutres Têm Fome. O pistoleiro Clint salva a irmã Sara/Shirley MacLaine dos franceses. Atravessam a Revolução Mexicana com o carregamento de armas que ela está levando para os campesinos. Impossível, para mim, não pensar em Vera Cruz, que Robert Aldrich fez, mais de 20 anos antes – em 1954 -, com Burt Lancaster e Gary Cooper. O sorridente Burt perguntando ao soturno Gary de quem gosta mais – dele ou dos cavalos? Depois de quase duas horas de ação e aventura, olha o spoiler, vem a revelação final sobre a verdadeira natureza de Sister Sara.
Shirley MacLaine fez todos aqueles papéis em filmes de Vincente Minnelli/Deus Sabe Quanto Amei e Billy Wilder/Se Meu Apartamento Falasse e Irma la Douce. É maravilhosa contracenando com Clint. De alguma forma parecem-se com Katharine Hepburn e John Wayne em Rooster Cogburn, a boquirrota filha do reverendo e o pistoleiro ranzinza. Two Mules foi escrito pelo blacklisted Albert Maltz a partir de uma história de Budd Boetticher. Tem mais humor do que qualquer outro filme de Siegel de que me lembre. E ainda tem, certamente por influência de Clint – e sua lembrança dos spaghettis de Leone -, a trilha de Ennio Morricone. Se tudo isso não deixou vocês com água na boca para ver o filme, não sei mais o que acrescentar.
Sei, sim. Como o Coronel Beltrán aparece ninguém menos do que Manuel/Manolo Fábregas. Quem? Aí não dá, né? Manolo, nascido na Espanha, radicado no México, foi uma das lendas do cinema mexicano. Da fase de ouro do cinema de lágrimas a El Tigre de Jalisco e El Mártir del Calvário – como Judas! – e um dos marcos da renovação dos anos 1970, Mecânica Nacional, de Luis Alcoriza, Manolo marcou sempre com sua persona poderosa até os menores papeis em que apareceu.
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