Agora é oficial, sou nome de sala. E uma conversa sobre melhores filmes, com base na lista de Luca Guadagnino na Sight and Sound

Foi uma linda cerimônia ontem à noite. Agora é oficial, sou nome de sala no Reag Belas Artes, que está deixando de ser um multiplex para virar um centro cultural. Muitas novidades vão ocorrer nos próximos meses. Descerramos placas e eu ouvi palavras carinhosas de Helena Ignez, de Léo Mendes e André Sturm. Sentados lado a lado, Helena sussurrou-me ao ouvido que não se esquece de uma matéria ‘feminista’ que fiz com ela no Estado – Dona Helena em seus dois maridos. Glauber e Rogério, o Sganzerla. Tenho o maior respeito e admiração por essa mulher, pela artista. Voltarei a ela na próxima sermana, quando Helena será homenageada, em sua sala, com uma minirretrospectiva. Quero ver Copacabana Mon Amour, que nunca vi, A Grande Feira, que nunca vi no cinema, apenas na TV, no Canal Brasil. Sobre o Roberto Pires, Helena disse – “Foi o começo de tudo.” Teremos de falar sobre esse tudo no blog.
Não estou acreditando. Liguei a TV e, no Bom-Dia Brasil, entrararam imagens que me fizeram viajar nas lembranças. Nos EUA, a polícia invadiu a universidade de Columbia. Os campi voltaram a ferver na ‘América’, como nos anos 1960, após o mítico Maio de 68. Estudantes unidos contra o apoio incondicional do governo Joe Biden a Benjamin Netanyahu e sua política de terra arrasada em Gaza. Há quase 60 anos, eu era jovem e os protestos eram contra outra guerra, a do Vietnã. No Brasil, protestávamos contra a ditadura. O que isso vai mudar, se vai mudar, não sei, mas muito ptovavelmente teremos uma radicalização. Em ano de eleição, Biden talvez ceda à pressão, cabendo a Donald Trump encarnar o espírito repressivo e revanchista da maioria silenciosa. Os fundamentalistas querem ver o Oriente Médio pegar fogo, à espera do Apocalipse. Tal é o estado do mundo. Os EUA, república das bananas – do milho. Nem todos os processos do mundo impedirão Trump de concorrer, e talvez vencer a disputa pela presidência. O horror, o horror. Preferia-o como o ator caricato de Joe Dante em Gremlins 2.
Pegando carona no lançamento de Challengers/Rivais nos cinemas da Inglaterra, o Weekly Film Bulletin de sexta-feira passada, dia 26, publicou a lista de dez mais de Luca Guadagnino no poll de 2022 da revista Sight and Sound. Guadagnino revelou-se um devoto de dois grandes do cinema italiano, Roberto Rossellini e Bernardo Bertolucci. O próprio Bertolucci, numa das vezes que o entrevistei – e foram muitas -, disse, para minha surpresa, que preferia Rossellini a Luchino Visconti, por mais viscontianos que sejam Prima Della Rivoluzione/Antes da Revolução e O Conformista. A suntuosidade cênica do segundo, o barroquismo de suas imagens, mais do que as de qualquer outro filme de Bernardo me fizeram pensar em Visconti. Bertolucci aceitava a comparação, mas, como Rossellini, dizia, non che. A lista de Guadagnino – Viagem na Itália/Roberto Rossellini, 1954; Alemanha Ano Zero/Rossellini, 1948; Europa 51/Rossellini, 1952; Último Tango em Paris/Bernardo Bertolucci, 1972; O Céu Que nos Protege/Bertolucci, 1990; L’Atalante/Jean Vigo, 1934; O Império dos Sentidos/Nagisa Oshima, 1976; Jeanne Dielman, 23, Rue du Commerce, 1080 Bruxelles/Chantal Ackerman, 1975; Samba Traoré/Idrissa Ouédraogo, 1993; e Aurora/Friedrich Wilhelm Murnau, 1927.
Achei uma bela lista, com filmes que pertencem à história e, ao mesmo tempo, ficou muito claro para mim que é uma lista de preferidos. Essa talvez seja a diferença. Os críticos e historiadores que votavam antes nos melhores escolhiam os filmes por sua importância histórica. Durante décadas, Cidadão Kane/Orson Welles, 1941 e O Encouraçado Potemkin/Sergei M. Eisenstein, 1925 disputaram o primeiro lugar, representando duas grandes tendências estéticas, e políticas. Eram os tempos dos grandes teóricos, e das disputas ideológicas. Com o tempo, os velhos foram morrendo, sendo substituídos por uma nova geração que já não tinha mais as mesmas pautas, daí as mudanças – as surpresas. Vertigo, Um Corpo Que Cai/Alfred Hitchcock, 1958, foi o melhor filme de todos os tempos na votação de 2012 da Sight and Sound. Dez anos mais tarde, Jeanne Dielman foi o melhor de 2022, e na votação anterior o longa de Chantal Ackerman havia ficado na casa dos 30 colocados. Eu mesmo não coloco Cidadão Kane, nem Potemkin na cabeça. Meus melhores são os filmes que me marcaram, e me fizeram ser o jornalista cultural e o homem que sou. Citei seis num post anterior – Rocco e Seus Irmãos/Luchino Visconti, 1960; Hiroshima Meu Amor/Alain Resnais, 1959; Terra/Alexandre Dovjenko, 1930; Morangos Silvestres/Ingmar Bergman, 1957; Rastros de Ódio/John Ford, 1956; A Paixão de Joana D’Arc/Carl Theodor Dreyer, 1928.
Nenhum brasileiro, e não é porque não reverencie o cinema do meu País. Limite/Mário Peixoto, 1930 é o melhor filme brasileiro de todos os tempos, segundo votação da Abraccine. Não sou associado, e de qualquer maneira jamais seria o melhor com meu voto. Hesito entre o Glauber de Deus e o Diabo na Terra do Sol/1964 e o de Terra em Transe/1968, mas a eles prefiro o Nelson Pereira dos Santos de Vidas Secas/1964, apesar de imperfeições, que reconheço. Por uma questão afetiva, o ‘meu’ filme brasileiro do coração é Selva Trágica/Roberto Farias, 1965. O trabalhador esmagado por aquela carga de erva, a mulher, a esplendida Rejane Medeiros, transformada em objeto sexual. Neste dia 1º de maio, Dia do Trabalho, lembrar Selva Trágica carrega um legado vergonhoso, mais do que triste. No Brasil continua existindo trabalho escravo, o Brasil continua sendo campeão de feminicídios. Um filme como Selva Trágica não perde a atualidade – nunca! -, só não sei, porque não o revejo há tempos, se segue tão bom quanto me lembro. E agora talvez escandalize algum leitor – tão emblemático quanto aquele grito em Deus e o Diabo, Mais fortes são os poderes do povo, ecoa no meu imaginário a voz tonitruante da grande Violeta Ferraz num clássico da chanchada, de Watson Macedo, O Petróleo É Nosso!/1964.
Às vezes tenho a impressão de que o tempo parou, ou pior. O Brasil anda para trás. Apesar de todos os esforços dos governos do PT, a questão fundiária, o petróleo – que tanta gente quer que deixe de ser nosso -, a legislação trabalhista. Em nome de uma tal modernidade, verdadeira falácia, o que essa gente quer é qe o Brasil ande para trás. Estou falando de cinema, ou de política?

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3 respostas para “Agora é oficial, sou nome de sala. E uma conversa sobre melhores filmes, com base na lista de Luca Guadagnino na Sight and Sound”.

  1. Avatar de Fernando Severo
    Fernando Severo

    Apesar de que segundo você só entro no blog para criticar ou corrigir, parabenizo pela justa e merecida homenagem. The right man in the right place.

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  2. parabéns pelo reconhecimento justíssimo. Minha paixão pelo cinema passa por suas resenhas e críticas que li na infância e pré-adolescência no Caderno 2 do Estadão. Não vejo a hora de assistir a um filme na sala que leva seu nome.

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  3. Parabéns amigo! Você é D+

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